segunda-feira, 18 de junho de 2012

Quem inventou o avião? Com certeza não foi Santos Dumont.


Filho de um dos maiores cafeicultores do mundo, amigo de magnatas e princesas e provavelmente gay, era uma estrela dos cafés e dos bulevares de Paris durante a Belle Époque. Nos anos de paz, otimismo e inovação que alegraram a França no começo do século 20, enquanto os irmãos Lumière inventavam o cinema e os expressionistas inovavam a pintura, Santos Dumont encantava a capital do mundo com os balões. Provou que as estruturas movidas a hidrogênio ou ar quente poderiam ser dirigíveis e tornou propriedade pública o direito de alguns de seus inventos, permitindo que qualquer pessoa copiasse os projetos de graça.
Infelizmente, entre as conquistas do brasileiro não se inclui a descoberta do avião. Na verdade é um pouco infantil insistirmos que Santos Dumont inventou o avião. O crédito dessa descoberta é obviamente dos irmãos Orville e Wilbur Wright. Os dois fabricantes de bicicletas dos Estados Unidos voaram antes, voaram mais e contribuíram muito mais para a indústria aeronáutica que o inventor brasileiro. Os patriotas que defendem Santos Dumont como o grande pioneiro da aviação costumam se basear em dois argumentos principais:


1. O argumento do registro oficial.
Santos Dumont foi o primeiro homem a registrar um vôo controlável com um objeto mais pesado que o ar (e não um balão de ar quente). Essa façanha ocorreu no dia 12 de novembro de 1906, no Campo de Bagatelle, arredores de Paris. A bordo do 14-Bis, ele voou uma distância de 220 metros. Apesar de ter atingido uma altura máxima de 6 metros, conquistou um prêmio de 1.500 francos do Aeroclube Francês, destinado a quem conseguisse voar por mais de 100 metros de distância. Já os irmãos Americanos Orville e Wilbur Wright e outros pioneiros, que afirmam ter voado antes de 1906, não registraram o feito nem o comprovaram em público como fez o brasileiro.

2. O argumento do estilingue
Os aviões dos irmãos Wright não saíam do chão usando força própria. Uma catapulta os impulsionava no momento da decolagem, que também era facilitada por uma linha de trilhos em declive. Como o comitê francês que premiou Santos Dumont proibia forças externas empurrando os aparelhos, a façanha dos Wright é inválida.
Já o 14-Bis de Santos Dumont realizou um vôo autônomo, impulsionado por um motor próprio.
Veja a seguir cinco razões para não acreditar nesses dois argumentos. E uma boa história sobre prováveis picaretagens do grande herói brasileiro. Enquanto os irmãos Wright inventavam o avião, Santos Dumont construía balões.
1- É 17 de dezembro de 1903. Das 10 horas e 35 minutos até o meio-dia, os irmãos Orville e Wilbur Wright fazem pequenos vôos (de 36, 53, 61 e 260 metros) numa praia perto de Kitty Hawk, Carolina do Norte, Estados Unidos.
2- O Museu do Ar e do Espaço, da França, e a Associação Aeronáutica Internacional reconhecem o episódio como a primeira vez em que o homem saiu do chão com uma máquina dirigível mais pesada que o ar.
3- O Flyer 1 usa correntes de bicicleta, madeiras de construir casas e, exatamente como os aviões do futuro, hélices, um motor a gasolina e asas levemente curvas.
4- O garoto Johnny Moore, o salva-vidas John Daniels e mais outras duas pessoas testemunham o fato; uma foto o registra. Um operador de telégrafo transmite a notícia para o pai, fazendo a novidade, contra a vontade dos dois irmãos, vazar para a imprensa.
5- O jornal Dayton Daily News começa citando um homem que na época fazia sucesso mundial com balões dirigíveis:


GAROTOS DE DAYTON IMITAM O GRANDE SANTOS DUMONT
Orville e Wilbur Wright construíram um avião que fez três testes com sucesso. O jornal logo acrescenta uma novidade frente ao balonismo: O Wright Flyer é uma máquina de voar de verdade. Não tem bolsas de ar ou balão de nenhum tipo, mas é suportada por um par de aerocurves ou velas. E a energia vem de um motor a gasolina.

Na mesma época, Santos Dumont mal imagina que pode sair do chão com um aparelho desprovido de bolsas de ar quente. Os balões lhe rendiam fama mundial desde 1901, quando, a bordo de um modelo alongado, com hélice e um leme, conseguiu dar uma volta na Torre Eiffel. Em 1903, o brasileiro não quer abandonar os balões, pelo contrário. Acha que eles são o futuro do transporte urbano.

Enquanto, nos Estados Unidos, os irmãos Wright voam em aparelhos motorizados com asas levemente curvadas, o brasileiro constrói o dirigível-ônibus. Trata-se de um balão com dez cadeiras enfileiradas. O aparelho nunca decolou com mais de uma pessoa e não deixou legado nem para o balonismo nem para a aviação moderna. A façanha de Santos Dumont abriu caminho para a criação de enormes balões transatlânticos, como o Zepelim.
Há, sim, provas e testemunhas dos vôos dos irmãos Wright. É verdade que não houve registro oficial do vôo dos americanos, sobretudo porque não existia, nos Estados Unidos, prêmios e concursos para pioneiros iguais aos que havia na França. Também porque os dois irmãos estavam muito mais preocupados em ganhar dinheiro com a fabricação de seu projeto que conquistar prêmios e notícias adulatórias nos jornais. Quando alguém perguntava por que eles não faziam vôos públicos, os dois diziam: ”Não somos artistas de circo”.
Além da discrição, os Wright pensavam que, se alguém patenteasse o avião antes deles, todo o esforço em construir as estruturas e testá-las iria pelos ares. Temiam que o projeto fosse copiado por outros inventores, sobretudo o físico Samuel Langley. Ao contrário dos dois bicicleteiros, Langley era um inventor influente. Estudos que ele fez fundamentaram a primeira medição do efeito estufa, realizadas pelo químico sueco Svante Arrhenius. Em 1898, o físico americano construiu um pequeno planador não tripulado, que voou 1.200 metros. Secretário do Instituto Smithsonian, o grande centro de museus e pesquisas dos Estados Unidos, tinha recebido 70 mil dólares do governo americano para construir um avião tripulado. Se esse inventor renomado copiasse o projeto dos Wright, os dois irmãos morreriam tentando provar o plágio. Preferiam, portanto, ter certeza de que haviam inventado o avião antes de divulgar a descoberta.


A certeza chegou em 1904, quando os Wright somaram 45 minutos de vôo. Estavam tão seguros do pioneirismo que resolveram chamar a imprensa. vôos desse ano e do seguinte foram testemunhados por viajantes, empresários e repórteres. Em outubro de 1905, os dois mandaram trinta convites para que testemunhas de credibilidade os assistissem. E elas se deslumbraram. No dia 5 de outubro, Wilbur Wright voou com o Flyer 3 durante 39 minutos, percorrendo 38,9 quilômetros. Bateu o recorde de distância e fez os primeiros vôos circulares, dando trinta voltas no campo de testes. Cerca de sessenta pessoas assistiram àquela e a outras demonstrações.
A lista de testemunhas incluía o dono do terreno onde os vôos aconteceram, o presidente de um banco da cidade de Dayton, além de um auditor público, o tesoureiro de uma casa de empréstimos, dois farmacêuticos, um administrador dos Correios e um bombeiro. Outra testemunha, Amos Root, um criador de abelhas metido a jornalista, escreveu uma carta para a revista Scientific American oferecendo um artigo sobre a descoberta dos irmãos. Os editores recusaram — provavelmente porque naquela época anúncios assim eram comuns e quase sempre infundados.
A revista desconfiava dos dois bicicleteiros. Em fevereiro de 1906, um de seus artigos perguntava se os dois eram ”aeronautas ou mentirosos”, visto que tentavam vender seu projeto antes de fazer demonstrações aos compradores. Um ano depois, porém, a Scientific American admitiu o erro. Depois de entrevistar 17 testemunhas dos vôos, a revista voltou atrás e concordou com a versão dos Wright.

Um ano antes de Santos Dumont exibir-se com o 14-Bis, voar já era uma rotina para os irmãos Wright. Depois dos vôos espetaculares de 1905, eles resolveram encerrar a fase de testes. Dedicaram-se a vender a idéia e ganhar dinheiro com ela. No dia 19 de outubro de 1905, escreveram para o Departamento de Guerra dos Estados Unidos já com um toque de arrogância:
Não pensamos em pedir ajuda financeira do governo. Nós propomos vender os resultados dos experimentos feitos com nosso próprio dinheiro. Também pediram detalhes do negócio: Não podemos fixar um preço nem um prazo de entrega, até ter uma idéia das qualificações necessárias para a máquina. Também precisamos saber se vocês desejam reservar o monopólio do uso dessa invenção, ou se permitirão que aceitemos pedidos de máquinas similares para outros governos, e para dar demonstrações públicas etc.
Se não houve demonstrações na França como aconteceu com o 14-Bis, existem ao menos documentos provando que os Wright construíam aviões muito antes de Santos Dumont. Em maio de 1906, os dois obtiveram o registro de patente número 821.393, referente a controles de uma máquina de voar. A patente contém esboços do Flyer 1, detalhando dimensões e o funcionamento dos mecanismos de aerodinâmica e controle, possibilitando máquinas voarem para os lados, para cima e para baixo.
Na descrição do projeto, os irmãos definem sua criação: ”Nossa invenção é relacionada à classe de máquinas de voar em que o peso é sustentado por reações resultantes em aeroplanos sob um pequeno ângulo de incidência, através da aplicação de força mecânica ou pela utilização da força da gravidade”. Lembra um avião, não? A patente (registrada, comprovada e existente até hoje) foi requerida três anos antes, ou seja, em 1903. Demorou para ser aprovada, mas nem tanto. Saiu em maio de 1906, seis meses antes de Santos Dumont ganhar prêmios com o 14-Bis. Se o herói brasileiro não foi tão importante para aviação, pelo menos se atribui a ele, como um prêmio de consolação, a invenção do relógio de pulso. A idéia teria surgido num dos tantos jantares no badalado restaurante Maxim’s com o joalheiro Louis Cartier.
SANTOS DUMONT NÃO INVENTOU O RELÓGIO DE PULSO.
Queixando-se da dificuldade de consultar a hora durante os vôos nos balões, Santos Dumont teria inspirado o amigo a criar o modelo portátil.
O brasileiro certamente contribui para o relógio de pulso voltar à moda, mas a invenção do aparelho é de muito antes. Relógios assim eram comuns desde os tempos de Shakespeare - a rainha Elizabeth I (1533-1603) tinha um. Em 1868, a empresa Patek Philippe reinventou a peça, que também foi usada por militares nos campos de batalha do século XIX, como na Guerra Franco-Prussiana.

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